terça-feira, 12 de abril de 2011

SEBASTIÃO

Sebastião acorda sempre às 04:16 já pensando estar atrasado e fazendo de tudo para ganhar tempo, faz a barba com a mesma presa de uma criança prestes a abrir seu presente de aniversário, mantém os cabelos bem curtos para não ter que penteá-los, usa uma camisa malha fria que dispensa ser passada constantemente pela manhã, escova os dentes enquanto prepara o café e liga o rádio, abri a porta e seu cachorro pula em suas pernas antes de notar que ainda está escuro.
Sebastião caminha em passos largos em direção a estação mais próxima, observa a mesma paisagem degradante de seu caminho na penumbra apenas iluminada por alguns velhos postes. Quando raramente passa por alguém mal percebe e responde os cumprimentos e se enfurece ao ver de longe o farol do trem chegando na estação e partindo com ele ainda estando na passarela um comprando o bilhete.
Na plataforma Sebastião se depara com um carnaval circense de rostos e rumos desconhecidos, ouve fuxicos sobre assuntos para ele nada pertinentes, vê mais e mais gente chegando e lotando a plataforma. O trem chega, Sebastião se esforça mas é quase o ultimo a embarcar no vagão, não consegue se sentar. Sebastião vai em pé, apertado durante as treze estações e duas baldiações até desembarcar e andar mais dez minutos para chegar em seu destino. Sebastião respira fundo um respiro ofegante e demorado, apresenta seu documento ao porteiro que lhe olha com um ar examinatório e descontente antes de abrir um grande e pesado portão de ferro do século passado feito em moldes góticos.
Sebastião após alguns passos entra em um sala dividindo-a com mais trinta e três pessoas nada familiares, abre seu armário, se veste com um colete cinza e surrado pelo tempo, gordura e suor e guarda suas coisas antes de assumir um árduo serviço de no mínimo nove horas sem fazer nada de muito útil mas passando pelas mais variáveis situações que um serviço pode oferecer: irritação, cansaço, sono, stress, discussões e fadiga.
Ao abandonar seu serviço Sebastião sente a satisfação do dever cumprido, mesmo não tendo feito nada, é a sua única dose de prazer diário, tão momentâneo quanto os dez minutos de caminhada até a estação, até perder o primeiro trem, até ver tantos rostos estranhos sem direção, até ouvir mais papos fúteis, até mal conseguir embarcar e ficar por mais de duas horas em pé, apertado no meio de tudo e do nada ao mesmo tempo.
Sebastião acelera o passo esbarrando nos outros, não presta ajuda a ninguém, não aprecia o canto dos pássaros ou do arco íris no alto da montanha, atravessa as ruas no farol vermelho para ganhar segundos a mais e chegar em casa mais cedo e assistir aos comercias da televisão pois a programação dela não lhe interessa.
Sebastião já dorme pensando em acordar, Sebastião não viu o tempo passar, Sebastião hoje não acordou e ninguém notou, nem ele mesmo.

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